Seis Pontos sobre A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt
O projeto “Seis Pontos” tem como propósito apresentar uma obra, seja um livro, filme ou relatório de pesquisa. Nosso objetivo é sintetizar alguns de seus principais argumentos, sem substituir o acesso à obra original. Queremos, em suma, oferecer um mapa que motive o leitor ou espectador a explorar o caminho por si mesmo.
Sérgio Branco e **Júlia Veloso
A relação entre infância e redes sociais ganhou destaque nas mídias sociais nas últimas semanas. A repercussão sobre o tema foi tanta que reacendeu o debate sobre o PL 2.628/2022, conhecido como “ECA Digital”, projeto que busca regulamentar o uso de redes sociais, jogos eletrônicos e publicidades direcionadas ao público infantil na internet (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/08/21/projeto-que-protege-criancas-na-internet-volta-a-analise-do-senado). Como parte desse debate, é relevante analisar a obra de um dos principais autores contemporâneos que abordam essa temática: Jonathan Haidt, autor do livro A Geração Ansiosa.
Jonathan Haidt lecionou na Universidade da Virgínia por dezesseis anos, é professor na Stern School of Business da Universidade de Nova York e doutor em psicologia social pela Universidade da Pensilvânia. Além disso, escreveu diversas obras, entre elas A hipótese da felicidade, A mente moralista e The Coddling of the American Mind. Sua principal publicação, contudo — e a que mais nos interessa — é seu livro mais recente, A Geração Ansiosa, lançado no Brasil em 2024, no qual analisa os efeitos da hiperconexão sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. A seguir, veremos seis pontos essenciais desta obra:
- Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais? Esta é a questão central que orienta o livro de Haidt. O autor começa por ressaltar o enorme aumento do número de casos de depressão e ansiedade na geração Z. Acerca disso, Haidt defende que o acesso ilimitado dos jovens aos smartphones seria o motor desta epidemia de doenças mentais, ao ter transformado a infância, que antes se baseava no brincar, na infância baseada no uso de smartphones. Após 2010, quando as crianças e adolescentes passaram a ter acesso ilimitado a conteúdos digitais, como jogos e redes sociais, a interação e experiências presenciais se tornaram cada vez menos centrais. A mitigação desses fatores, essenciais à evolução humana, interferiu diretamente no desenvolvimento emocional dessa geração. A infância no mundo real, com brincadeiras entre amigos e ao ar livre, foi substituída por uma infância virtualizada e em certa medida mais carente de riscos físicos. Este processo o autor denomina de grande reconfiguração. Ao contrário do que muitos podem pensar, essa mudança, segundo Haidt, não foi positiva para as crianças. Os jovens acabaram mais despreparados para as adversidades naturais da vida humana e, por consequência, suscetíveis a desenvolverem transtornos mentais. “O brincar não supervisionado ao ar livre ensina as crianças a lidar com uma série de riscos e desafios. Desenvolver habilidades físicas, psicológicas e sociais deixa as crianças confiantes de que podem encarar novas situações, o que funciona como uma vacina contra a ansiedade”.
- Além disso, de acordo com Haidt, existe ainda uma etapa especialmente sensível a essa “grande reconfiguração”: o início da puberdade. Nesse momento da vida, no qual enfrentamos as maiores mudanças depois da primeira infância, somos submetidos a intensas transformações cerebrais que nos marcam permanentemente. É justamente nessa fase que começamos a assumir mais responsabilidades, buscamos maior senso de pertencimento e ampliamos nossas habilidades sociais. Para atravessar esse período de maneira saudável, é fundamental termos vivenciado adversidades que nos fortaleçam e nos proporcionem maturidade emocional para enfrentar os desafios da fase seguinte: a vida adulta. Assim, para se transformar em um adulto, os seres humanos precisam mais do que apenas um amadurecimento biológico. O aprendizado cultural, os desafios e o reconhecimento público da evolução de fases da vida são etapas imprescindíveis a esta mudança. Dessa forma, segundo o autor, “Se quisermos que crianças tenham uma puberdade saudável, precisamos afastá-las dos inibidores de experiência, para que possam acumular a ampla gama de vivências de que necessitam, incluindo os fatores de estresse do mundo real que suas mentes antifrágeis exigem para se configurar de maneira apropriada”.
- Segundo Haidt, a ausência da infância baseada no brincar produz quatro prejuízos fundamentais: a privação social, a privação de sono, a atenção fragmentada e o vício. A primeira seria marcada pela ausência de momentos de interação social física com familiares e amigos, em razão do uso constante do celular, o que elevaria a sensação de solidão nesta fase da vida. “A Grande Reconfiguração devastou a vida social da geração Z, ao conectá-la com o mundo todo e desconectá-la das pessoas ao seu redor”.
Sobre o segundo ponto, para Haidt, a privação de sono, causada pelo uso de smartphones durante a noite, foi uma das principais razões para a onda de transtornos mentais que teve início na década de 2010. O uso de telas no quarto dos adolescentes, possibilitando a troca dos momentos de sono por entretenimento virtual, limitou as horas dedicadas exclusivamente a dormir.
O terceiro fator, a atenção fragmentada, o autor associa aos permanentes estímulos promovidos pelas inúmeras redes sociais, notificações, atualizações e acesso ilimitado a conteúdos digitais promovidos pelo uso frequente dos smartphones. “As habilidades de função executiva se desenvolvem devagar, porque se baseiam em grande parte no córtex pré-frontal, a última parte do cérebro a se reconfigurar durante a puberdade. Essas habilidades incluem autocontrole, concentração e a capacidade de resistir a distrações”.
O quarto e último prejuízo, o vício, é associado à liberação de dopamina decorrente do uso contínuo do celular em razão da constante sensação agradável que este hormônio proporciona. “Como pessoas viciadas em heroína e cocaína, aquelas viciadas em atividades digitais sentem que, fora o objeto de seu vício, ‘nada mais traz uma sensação boa’. O motivo é que o cérebro se adapta a longos períodos de dopamina elevada, transformando-se em uma variedade de maneiras para manter a homeostase. A adaptação mais importante é ‘regular para baixo’ a transmissão de dopamina. O usuário precisa aumentar a dosagem da droga para voltar a sentir prazer”.
- Além dos prejuízos fundamentais, o autor aborda problemas específicos de cada gênero. Segundo o livro, as meninas sofrem mais com o uso das redes sociais em comparação aos meninos. Isso se origina na maior necessidade de comunhão e preocupações sociais neste gênero. As meninas seriam mais propensas a comparações sociais e ao perfeccionismo. Por essa razão, os efeitos e filtros das redes sociais teriam impactos significativos na autoestima e autoimagem das adolescentes. “Desde os primórdios da publicidade, as jovens são incentivadas a buscar versões aparentemente ‘melhores’ de si mesmas. No entanto, as redes expõem as meninas a centenas ou mesmo milhares de imagens desse tipo todos os dias, muitas delas retratando garotas boas demais para serem reais, com corpos e vidas perfeitas. A exposição a tantas imagens só pode ter um efeito negativo sobre ‘máquinas de comparação’”. Além disso, as redes sociais intensificam os efeitos do bullying entre meninas. A observação constante que a exposição na internet provoca cria o medo de que erros sejam viralizados e se tornem permanentes no ambiente digital, fato que aumenta consideravelmente a sensação de insegurança entre as meninas. O compartilhamento de emoções negativas e dificuldades nas redes sociais pode aumentar a incidência de novos casos de transtornos mentais entre meninas. “As pessoas são contaminadas pelas emoções dos outros, e essa contaminação é mais forte entre meninas”. Por fim, assim como na vida fora da internet, meninas estão mais sujeitas a predadores sexuais e a sofrerem assédio. “Com a predação sexual e a sexualização desenfreada, meninas e mulheres jovens precisam se manter mais atentas na internet que meninos e homens jovens”.
- Os meninos, no entanto, também estão sujeitos a prejuízos em razão do uso ilimitado de celulares. Segundo o autor, garotos podem estar mais vulneráveis aos efeitos da infância sem riscos, incluindo a reclusão social. A hiperconexão dos meninos possibilita um acesso a jogos, sexos e relações sociais (ainda que superficiais), sem que eles precisem sair de casa e lidar com as inseguranças e incertezas comuns da vida material. O autor atribui à pornografia um dos fatores que motivam a reclusão dos meninos: “Com a puberdade e o aumento do desejo sexual, meninos eram motivados a fazer coisas assustadoras e desconfortáveis, como tentar falar com uma menina, ou chamar uma menina para dançar em um evento organizado por adultos. A internet, por outro lado, é perfeita para a distribuição de imagens pornográficas”. Haidt também aborda a substituição das brincadeiras pelos jogos online como um fator importante ao isolamento social deste grupo. “Quando jogos on-line substituem a exploração e a aventura com os amigos no mundo real, como é o caso entre os usuários assíduos, eles muitas vezes produzem jovens que sentem que alguma coisa está faltando”.
- Por fim, para enfrentar os impactos da hiperconectividade sobre crianças e adolescentes, Jonathan Haidt recomenda uma série de medidas concretas a serem implementadas por diferentes atores sociais. O autor indica uma abordagem ampla envolvendo governo, empresas de tecnologia, escolas e, sobretudo, os núcleos familiares. A cargo do governo e das empresas, Haidt sugere a regulamentação das redes sociais e a criação de mecanismos mais eficazes de verificação etária. Em relação às escolas, o autor sugere que as instituições de ensino priorizem o brincar ao ar livre e o incentivo a projetos que favoreçam a autonomia e a independência das crianças. Acerca do papel dos pais e responsáveis, o autor aborda diversas medidas, dentre elas aumentar o envolvimento dos filhos com a comunidade e o mundo real, evitar qualquer uso de telas em crianças muito pequenas, ter ações coordenadas com outras famílias para facilitar as limitações aos smartphones entre as crianças e adolescentes. Ao final, Haidt estabelece quatro pilares fundamentais: 1) smartphones apenas após os 14 anos, 2) redes sociais somente após os 16 anos, 3) proibição de celulares nas escolas e 4) aumento da oferta de brincadeiras independentes e ao ar livre.
Em síntese, em um momento de debate público sobre infância e redes sociais, os ensinamentos de Jonathan Haidt se mostram de suma importância. O autor demonstra que a infância hiperconectada provoca uma mudança profunda no desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes. Haidt defende que a substituição do brincar presencial por experiências virtuais limita a aquisição de habilidades essenciais à maturidade emocional e social deste grupo. Para reverter este cenário, Haidt propõe que famílias, governo, escolas e empresas de tecnologia se unam na criação de limites mais claros para o uso de celulares e redes sociais, bem como incentivem mais brincadeiras livres e vivências reais, de modo a garantir o desenvolvimento saudável das futuras gerações.
*Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professor convidado do doutorado em Inovação, Ciência, Tecnologia e Direito da Universidade de Montréal. Professor de Direito Civil e de Propriedade Intelectual do Ibmec. Professor de Direito Civil e de Propriedade Intelectual da pós-graduação da FGV Direito Rio. Autor dos livros “Memória e Esquecimento na Internet”, “Direitos Autorais na Internet e o Uso de Obras Alheias”, “O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro — Uma Obra em Domínio Público” e “O que é Creative Commons — Novos Modelos de Direito Autoral em um Mundo Mais Criativo”. Especialista em propriedade intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-Rio. Pós-graduado em Cinema Documentário pela FGV. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Advogado. Cofundador e diretor do ITS.
**Formada pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, Júlia é advogada com experiência em escritórios e órgãos públicos. Em busca de se especializar em Direito Autoral e Novas Tecnologias, possui mestrado em Políticas Públicas, Inovação e Propriedade Intelectual pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quer entender as consequências sociais e jurídicas da inovação tecnológica na cultura e, com isso, poder contribuir para uma sociedade mais justa e plural.
